segunda-feira, 30 de novembro de 2009

As realidades da alma, por não serem visíveis e palpáveis,
não deixam de ser realidades.
Victor Hugo, em Os Miseráveis.
Por que é tão assustador entrar em contato com o sentimento? Muito mais fácil é usar a razão, explicar com o pensamento, com a lógica o que se sente. Mas será possível funcionar assim? Será que a razão pode traduzir realmente o que se sente?
Se eu tivesse que escolher um lugar, hoje, ficaria com os que estão se recolhendo. Olhando para dentro de mim mesma. Acolhendo minhas vontades e caprichos. Sem culpa. É preciso ter muita coragem para escolher ficar na contra-mão. Muito mais aceito é quem segue o fluxo, quem se agride para cumprir as normas, “ficar bem na foto”. E se mata um pouco por dia. Um pouco a cada dia. O esquema é cruel. Já passei tempo demais ignorando as realidades da minha alma. Fugindo. Me obrigando a sentir aquilo que, na realidade, não sentia. Tentando não sentir aquilo que, na realidade, me consumia. Me negando a enxergar aquilo que, de fato, era óbvio e real. O apego à razão, ao que é instituído, e ao que é lógico, pode turvar a visão, alterar a percepção e ser péssimo conselheiro. As evidências que não evidenciam, por mais reais que possam parecer. As certezas que não se sustentam. E ainda reduzem. O desprezo pelo acaso. Tudo para evitar o contato com os sentimentos. Que maravilha é poder mudar de opinião. De objetivo. Experimentar novas sensações. Quanto tempo perdi fugindo do que hoje é o que mais prezo: poder sentir. Perdi muito. Mas não me perdi de mim mesma. É bem verdade que foi por pouco… Consegui me humanizar. Mas ainda hoje quando fico aflita tenho que resistir – muito - para não procurar refúgio no intelecto, na razão. Sentimentos que aproximam ou afastam, não são visíveis nem palpáveis. E, por isso, muitas vezes ignorados. Inconscientemente ignorados.
Como explicar o arrebatamento diante de todos os mistérios? Há coisas que os nossos olhos, o nosso simples olhar, não captam. Procurar uma explicação lógica para tudo isso? Poderia nos abater. Poderia nos constranger. Poderia nos desestruturar. E somos mestres em evitar, em empurrar para debaixo do tapete tudo aquilo que pode nos levar ao sofrimento. Ao medo. Ao pânico. E, com isso, geramos desesperos, fobias, doenças...
Quantas serão as realidades, impossíveis de serem vistas apenas com os nossos olhos, que brincam conosco sem que sequer sejamos capazes de imaginá-las?

domingo, 29 de novembro de 2009

"O problema é que eu gosto dos significafos, símbolos, mistérios, nada nunca é nada para minha alma. Por isso não venha com alguns versinhos decorados, ou cantadas ensaiadas, sempre acho um valor para tudo e as pessoas tendem a crescer muito na minha visão. Basta você sorrir, me olhar de canto de olho. Pronto. Estará condenado a minha imaginação fértil. "

sábado, 28 de novembro de 2009


A gente se apaixona pelo jeito da pessoa. Não é porque ele cita Camões, não é porque ela tem olhos azuis: é o jeito dele de contar histórias como se estivesse vivendo o momento; é o jeito dela de piscar demorado os seus lindos olhos como se estivesse em câmera lenta. O jeito de caminhar. O jeito de usar a camisa pra fora das calças. O jeito de passar a mão no cabelo. O jeito de suspirar no final das frases. O jeito de beijar. O jeito de sorrir. Vá tentar explicar isso.

Martha Medeiros

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Distrair...

Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Clarice Lispector

domingo, 22 de novembro de 2009

Fico quieto. Primeiro que paixão deve ser coisa discreta, calada, centrada. Se você começa a espalhar aos sete ventos, dá errado. Isso porque ao contar a gente tem a tendência a, digamos, “embonitar” a coisa, e portanto distanciar-se dela, apaixonando-se mais pelo supor-se apaixonado do que pelo objeto da paixão propriamente dito. Sei que é complicado, mas contar falsifica, é isso que quero dizer — e pensando mais longe... é por isso mesmo literatura é sempre fraude. Quanto mais não-dita, melhor a paixão. Melhor, claro, em certo sentido que signifíca também o pior: as mais nobres paixões são também as mais cadelas.

C.F.A