As realidades da alma, por não serem visíveis e palpáveis,
não deixam de ser realidades.
Victor Hugo, em Os Miseráveis.
Por que é tão assustador entrar em contato com o sentimento? Muito mais fácil é usar a razão, explicar com o pensamento, com a lógica o que se sente. Mas será possível funcionar assim? Será que a razão pode traduzir realmente o que se sente?
Se eu tivesse que escolher um lugar, hoje, ficaria com os que estão se recolhendo. Olhando para dentro de mim mesma. Acolhendo minhas vontades e caprichos. Sem culpa. É preciso ter muita coragem para escolher ficar na contra-mão. Muito mais aceito é quem segue o fluxo, quem se agride para cumprir as normas, “ficar bem na foto”. E se mata um pouco por dia. Um pouco a cada dia. O esquema é cruel. Já passei tempo demais ignorando as realidades da minha alma. Fugindo. Me obrigando a sentir aquilo que, na realidade, não sentia. Tentando não sentir aquilo que, na realidade, me consumia. Me negando a enxergar aquilo que, de fato, era óbvio e real. O apego à razão, ao que é instituído, e ao que é lógico, pode turvar a visão, alterar a percepção e ser péssimo conselheiro. As evidências que não evidenciam, por mais reais que possam parecer. As certezas que não se sustentam. E ainda reduzem. O desprezo pelo acaso. Tudo para evitar o contato com os sentimentos. Que maravilha é poder mudar de opinião. De objetivo. Experimentar novas sensações. Quanto tempo perdi fugindo do que hoje é o que mais prezo: poder sentir. Perdi muito. Mas não me perdi de mim mesma. É bem verdade que foi por pouco… Consegui me humanizar. Mas ainda hoje quando fico aflita tenho que resistir – muito - para não procurar refúgio no intelecto, na razão. Sentimentos que aproximam ou afastam, não são visíveis nem palpáveis. E, por isso, muitas vezes ignorados. Inconscientemente ignorados.
Como explicar o arrebatamento diante de todos os mistérios? Há coisas que os nossos olhos, o nosso simples olhar, não captam. Procurar uma explicação lógica para tudo isso? Poderia nos abater. Poderia nos constranger. Poderia nos desestruturar. E somos mestres em evitar, em empurrar para debaixo do tapete tudo aquilo que pode nos levar ao sofrimento. Ao medo. Ao pânico. E, com isso, geramos desesperos, fobias, doenças...
Quantas serão as realidades, impossíveis de serem vistas apenas com os nossos olhos, que brincam conosco sem que sequer sejamos capazes de imaginá-las?