segunda-feira, 21 de julho de 2014

O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse você". A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção.

O amor que acende a lua, Rubem Alves.

sexta-feira, 18 de julho de 2014


Onde se encontram as fontes da alegria? Alguns acham que elas se encontram nas experiências infantis, que somos alegres ou tristes por causa das coisas que outros nos fizeram, quando éramos crianças. Eu não acredito nisso não. Acho que as fontes da alegria não se encontram no tempo. Acho que as fontes da alegria não são administradas pelo pai ou pela mãe. Minha suspeita é que elas se encontram na eternidade. A alegria é sempre inexplicável. Tem um profeta do Velho Testamento, Habacuque, que escreveu uma das orações mais lindas que conheço, e ela é linda por causa de uma única palavra: todavia. Ele começa a oração descrevendo campos devastados, árvores frutíferas sem frutos, currais sem vacas ou ovelhas. De repente ele interrompe o rol de desgraças e diz: "Todavia eu me alegrarei..." Não há razões para a alegria. Ela é uma fonte da eternidade que emerge no tempo.

Rubem Alves

Oh! Minas Gerais...

















Minas não tem mar.
Lá, quem quiser navegar tem de aprender 
que o mar de Minas é em outro lugar.
O mar de Minas não é no mar.
O mar de Minas é no céu,
pro mundo olhar pra cima e navegar
sem nunca ter um porto onde chegar.
Acho que é por isso que em Minas nasce tanto poeta. 
Poeta é quem navega nos céus.

Rubem Alves

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Instantes

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido,
na verdade bem poucas coisas levaria a serio.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvete e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu
sensata e produtivamente cada minuto da sua vida.
Claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver,
trataria de ter só bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida,
só de momentos,
não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma
sem um termômetro, uma bolsa de água quente,
um guarda chuva e um pára-quedas.
Se voltasse a viver viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim de outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres,
brincaria mais com as crianças,
se eu tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.

Autoria discutível. Poema atribuído ora a Jorge Luís Borges, ora a Nadine Stair.
 
A menina e o pássaro encantado 
Rubem Alves 

Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo. Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado. 
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão… 
— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti… E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro. 
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça. 
— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes. E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre. Mas chegava a hora da tristeza. 
— Tenho de ir — dizia. 
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…
— E a menina fazia beicinho… 
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar. 
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…” 
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz. Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro… 
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora… 
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar. 
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo… 
Até que não aguentou mais. 
Abriu a porta da gaiola. 
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres… 
— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar… 
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia. 
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo… E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra. 
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje… 
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. 
Ah! Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama… 
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….” 
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro. 

* * * 

Para o adulto que for ler esta história para uma criança: 
Esta é uma história sobre a separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus… 
Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade. Tudo se enche com a presença de uma ausência. 
Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas… 
Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre… Para que não haja mais partidas… 
Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços. Esta história, eu não a inventei. 
Fiquei triste, vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida… E a história simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta. 
Para quê uma história? Quem não compreende pensa que é para divertir. Mas não é isso. 
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano. Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. Com isto, angústias e medos ficam mais mansos. 
Claro que são para crianças. 
Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão… 

As mais belas histórias de Rubem Alves 
Lisboa, Edições Asa, 2003


Os pais exigem-lhe o máximo, não porque a casa seja pobre, mas porque o primeiro mandamento da educação feminina é: trabalharás dia e noite. Se não trabalhar sempre, se não ocupar todos os minutos, quem sabe de que será capaz a mulher? Quem pode vigiar sonhos de moça? Eles são confusos e perigosos. Portanto, é impedir que se formem. A total ocupação varre o espírito.

Carlos Drummond de Andrade


Envelhecer é isto mesmo, a gente vai se mineralizando, chegou a dizer o que - no pensamento dele - é de uma lógica brutal, que a osteoporose é sinal de progressiva espiritualização. Pior é que concordo: "Tu és pó e em pó te tornarás", somos cinzas, caminhamos no inverso sentido de uma fênix.

Adélia Prado

quarta-feira, 9 de julho de 2014

"A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão..."

Chico Buarque