sexta-feira, 19 de dezembro de 2014



Ouvi uma vez certa artista falando sobre a necessidade de se amar enquanto temos as pessoas perto de nós. Ela contava sobre o pai, um senhor já de idade, que, antes de falecer, sempre pedia em tom de súplica: "me liga mais vezes fia, pra falar de você, do seu dia, contar uma gloriazinha..." Do discurso da moça  não guardei mais nada. O que entrou nos meus ouvidos e martelou em minha cabeça e não me largou mais foi a frase do senhor. Não o conheci, mas bastou a frase para imaginar um velhinho sempre com aquelas palavrinhas em tom de brincadeira que pegam a gente desprevenidos e causam uma verdadeira reviravolta.
Pensei no que seriam as gloriazinhas do meu dia e gostei de chamá-las assim. Gloriazinhas passam despercebidas às vezes, são coisas miúdas do dia, mas não deixam de ser glórias. Gloriazinhas nos fazem sorrir sem que a gente se dê conta. Minha última gloriazinha foi um abraço inesperado de um menininho que de pequeno tinha só o tamanho e, por causa do tamanho, abraçou só minhas pernas, mas conseguiu me tocar lá no coração. 
As gloriazinhas estão por aí aos montes, mas a gente só se concentra nas grandes glórias. Um diploma digno de moldura para ser pendurado à parede, um carro que possa causar inveja, uma casa que evidencie o tamanho do nosso sucesso... e por aí vai. Mas as gloriazinhas são mais democráticas, elas acontecem na vida do mais deserdado dos seres. E só por elas já vale a pena ter nascido.

Jéssica Alves

Entre nós quase toda a gente pensa que literatura é arrevezamento, ginástica verbal, ilusionismo imaginoso, hipérbole sublime. E devido a isso mesmo há no Brasil muitos cavalheiros que falam mas poucos que dizem. Falam até debaixo d'água. Não dizem coisa nenhuma. De tal forma que hoje em dia o conceito de literatura é até pejorativo.

Alcântara Machado - A eloquência e o brasileiro.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014



As lembranças da infância brincam de ciranda em minha mente e, de um jeito fácil, me puxam pra roda também. Rodopio num sentido e no outro. Fico leve outra vez, como criança. Sem preocupações, ressentimentos, mágoas. Todas essas coisas que pesam na gente. O meu riso sai mais fácil, sem precisar desviar desses in-cômodos. Sim, porque esses pesares mais parecem cômodos em nossa mente. Tomam conta do lugar por tanto tempo que começam a fazer parte da decoração. A nossa necessidade de mudança está nisso: não ansiamos apenas o novo. Precisamos, por uns dias, daquela sensação da casa se esvaziando, até ficar pronta para nos receber outra vez.

Jéssica Alves

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014



Quero mergulhar num rio de coisas minhas
Deixar de banhar-me às margens de outros
Seguir o meu próprio fluxo e viver fluindo
Jorrar de mim em terras secas
Fazer pingar cada gota do meu ser
em forma de poesia
Desagarrar da superfície
moldá-la em nuvem e chover em versos

Jéssica Alves

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Manuel Bandeira

terça-feira, 9 de dezembro de 2014



Aos meus olhos, você está inacabado. A cada dia enxergo algo novo em você e eu espero que você não se conclua nunca. Quando você vem com suas novidades, fico impulsionada a me redescobrir também. Vasculho lá no fundo o que nunca havia sido apresentado nem para mim mesma e me refaço numa versão melhor. Meu amor, quero ver seu novo todo dia!

Jéssica Alves

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

POÉTICA

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar &agraves mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é libertação.

Manuel Bandeira

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor-
 No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

Manuel Bandeira

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014


"Sou todo ouvidos" serve para mostrar o quanto se está pronto para ouvir tudinho, tim-tim por tim-tim, do que o outro vai dizer, sem deixar escapar uma palavra. Depois que se ouviu, volta-se ao estado inicial, porque o papel, que era só ouvir, foi cumprido. Às vezes, o que foi dito entra por um ouvido e sai pelo outro, como se diz por aí, mas isso não é problema, porque para sair pelo outro ouvido ele precisou entrar, então não há por que reclamar. "Sou todo coração" é que deveria virar expressão corrente. Pras pessoas mostrarem o quanto estão prontas para sentir tim-tim por tim-tim do que o outro está sentindo, sem deixar escapar uma dor, uma decepção que seja, qualquer fisgadinha no coração. Depois que se sente, não há como voltar ao estado inicial. Só temos um coração, aquela corrente de palavras que entram e saem pelos ouvidos não funcionam ali. Se entrou, não tem mais volta. O coração não vomita sentidos e sentimentos. E, para piorar - ou melhorar - a situação, como não vai caber tudo ali naquele espacinho, ele bombeia os sentimentos para todo o corpo. O que você sente é sentido pelo estômago, pernas, cérebro, braços, olhos, boca, rins... até pelo ouvido! O sentimento te abraça todo. Você vira outro e o outro também.

Jéssica Alves

terça-feira, 2 de dezembro de 2014



Liberdade é uma ave branca dentro de nós que quer se colorir com a cor do que a gente provou, viu, vestiu, com a cor dos lugares por onde a gente passou. Eu tentava pegar a liberdade, conquistar a liberdade, como se ela fosse um bicho de fora. Parei a tempo. Comecei uma excursão dentro da selva que existe em mim. Livre é quem descobre tudo o que tem por dentro.

Jéssica Alves

Os três tipos de Amor

Amor Purificador
Purifica a dor
Pura fica a dor

Amor Vivificador
Vivifica a dor
Viva fica a dor

Amor Justificador
Justifica a dor
Justa fica a dor


Jéssica Alves

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sexta-feira, 28 de novembro de 2014



Mulher nasce tendo que aprender a ser organizada. Mulher tem a incumbência de fazer caber sua imensidão dentro de um corpo pequeno. Acho que é por isso que não sobra uma caixa pro nada.


Jéssica Alves

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

  
Verbo Ser

Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? 

Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer. 


Carlos Drummond de Andrade 


Eu sei sorrir sozinha, me apaixono por mim frequentemente, marco encontros comigo mesma e me divirto neles. Converso comigo até dar sede. Canto para mim minhas músicas favoritas e me aplaudo no final. Gosto da minha companhia, sempre gostei.
Foi assim que eu aprendi que amar a si mesmo não tem nada a ver com egoísmo. Economizar  amor é o princípio da avareza. Quando nos amamos não gastamos o amor, ele se acumula. Ficamos aptos a amar o que está fora de nós também.

Jéssica Alves

segunda-feira, 24 de novembro de 2014


Gente delicada para só pra ouvir o coração. E depois que o escuta, escolhe continuar parado, só pra ouvir o coração do outro. O mundo carece dessas delicadezas. De gente que para enquanto os outros correm. Gente que, parando, consegue chegar bem longe.

Jéssica Alves
Ausência 

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 21 de novembro de 2014


Fujo de todos os pensamentos que me levam a eternizar o passado e antecipar o futuro. Não quero cair nessa armadilha do tempo. O que passou já é flor murcha. O que virá ainda está na semente. O melhor que posso fazer pelo meu amanhã é adubar bem a minha terra, plantar as sementes nos melhores lugares, tirar o que existir de erva daninha, me abrir para o sol e para a chuva. Você vê? É muito trabalho para o hoje. Não sobra tempo para o antes e o depois, não deveria sobrar. O que eu fui e o que ainda virei a ser são coisa pouca perto do que estou sendo agora.

Jéssica Alves

terça-feira, 18 de novembro de 2014



Existe um pássaro dentro de mim que bate as asas quando eu leio poesia e me faz sentir cócegas por dentro. Depois de muito ler, eu ando por aí e ele não sabe diferenciar o que é poesia escrita e o que não é. Então começa a bater as asas quando eu brinco com criança, vejo a lua, tenho uma conversa amena, lembro da infância, ando de mãos dadas, vejo as luzes da cidade... Acho que a qualquer momento eu levanto voo.

Jéssica Alves
Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado

segunda-feira, 17 de novembro de 2014



O meu amor por você não surgiu do nada. Deus não plantou ele em mim, regou, floriu e pronto. Foi um amor construído, batalhado. Deus só me disse que eu tinha que amar e me amou para eu entender como era. Está entre as melhores coisas que eu já fiz na vida, então faço questão de assumir como um feito meu, não divido a autoria com o destino, o acaso, a sorte. Para viver esse amor foi preciso persistência, paciência e olhar a longo prazo. Foi dolorido me despir do meu egoísmo, mas foi gratificante me ver vestida de cumplicidade. 

Jéssica Alves

sexta-feira, 14 de novembro de 2014



Eu nasço e renasço inúmeras vezes se for necessário. Em cada nascimento quero estar mais parecida com o que desejo ser, com o que minha alma precisa que eu seja. 
O tempo passa tão depressa e nós vamos correndo no ritmo dele, tentando abocanhá-lo e, quando nos damos conta, já estamos longe de nós mesmos. Nossa mente, corpo, energia e força estão todos focados em pontos pequenos e nossa alma, que tem fome do que é grande, está em descompasso com o resto.
Então a gente se dá conta de que precisa morrer e deixar enterrado tudo aquilo que nos é estranho. Depois nascer de novo, fazendo acordar o que sempre foi nosso.

Jéssica Alves

quinta-feira, 13 de novembro de 2014






... E tem gente que mesmo quando parte continua com a gente.



quarta-feira, 12 de novembro de 2014


Queremos ser vistos como realmente somos, mas não nos mostramos inteiramente. Ficamos tão preocupados em nos proteger, que quem está de fora só enxerga a nossa casca dura e grossa. Se esbarramos em alguém, só conseguimos sentir a casca dura e grossa do outro. 
Criticamos quem usa máscaras, mas já vestimos a fantasia inteira. São motivos diferentes, você vai dizer. Pode até ser, mas, no fim, o resultado é o mesmo, ninguém vê o que você é.
Deixar as coisas externas perfurarem a nossa armadura até chegar em nós pode parecer dolorido, mas também pode trazer encantos, encontros, transformações... É o melhor que alguém pode fazer por si. Nessa vida você pode fugir de quem quiser, menos de você mesmo.

Jéssica Alves

terça-feira, 11 de novembro de 2014



Eu já virei noites tentando entender que harmonia delicada é essa que existe entre nós e que faz todos os meus órgãos sorrirem aqui dentro quando te tenho por perto. Você não sabe, mas eu daria um milhão de sorrisos só pra te ver sorrir de volta para mim.

Jéssica Alves



“Escreva minha filha, escreva. Quando estiver entediada, nostálgica, desocupada, neutra, escreva. Escreva mesmo bobagens, palavras soltas. Experimente fazer versos, artigos, pensamentos soltos. Descreva, como exercício, o degrau da escada do seu edifício (saiu um verso sem querer). Escreva sempre, mesmo para não publicar. E principalmente para não publicar. Não tenha a preocupação de fazer obras primas; que de a muito já perdi, se é que um dia a tive. Mas só e simplesmente escrever, se exprimir, desenvolver um movimento interior que encontre em si próprio sua justificação…” 

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 10 de novembro de 2014


Acho que você passou os dias da sua infância tão pertinho do mar que seu olhar incorporou aquela profundidade, aquela fluidez e os momentos ora de vagareza, ora de inquietude. Olhos que, no início, trouxeram a necessidade cautelosa de me manter longe, tentando descobrir até que altura eu poderia permanecer sem correr o risco de ser tragado. Olhos que, hoje, já familiarizado, geram uma vontade imediata de mergulhar e de sentir o que nunca senti antes. 
Eu demorei para entender o porquê de toda aquela sua fascinação pela lua. Não poderia ser diferente. Quem carrega o mar nos olhos tem uma ligação natural com ela, estabelecida desde o início dos tempos.  Todos gostam de admirá-la, é claro, mas você fixava o olhar e se perdia. Quando a lua é cheia, o mar do seu olhar se enche tanto que, às vezes, escorre, você sente o gosto salgado nos seus lábios e relembra o que sentia quando era criança. Por alguns instantes me sinto invadindo toda a sua história e te vejo menina. Gosto do que vejo. Você brincando naquele tempo não é muito diferente de quando brinca hoje.

Jéssica Alves


sábado, 8 de novembro de 2014


O amor daqueles dois nasceu no olhar e desceu pro coração. Ela viu nele o que ele tentava mostrar há séculos e ninguém via. Ele viu nela o que ninguém tinha visto porque ela sempre escondia.

Jéssica Alves

sexta-feira, 7 de novembro de 2014


Quando você tenta ser aquilo que o outro é, suas atitudes copiadas saem tortas, mal feitas, descombinadas. O que a gente é tem a medida dos nossos sentidos, não adianta querer ser mais se você não entende isso. A gente não cresce conforme a idade ou a cada aniversário feito, crescemos cada vez que a nossa alma é tocada. Quando você vê a criança sorrindo e se ri todo por dentro sua alma cresce. O crescimento do corpo é importante, mas é coisa comum, todo mundo consegue. Mas quando a gente cresce na alma deveria virar notícia de jornal porque está cada vez mais escasso. 
Quando um jovem passa no curso que ele queria todo mundo faz uma festa, escreve em faixas, tira fotos, se pinta todo, relembra nossas raízes indígenas que tem para cada evento uma pintura específica, sai até no jornal. Mas se esse jovem chora só por ter visto o mar, ninguém quer saber.
Chorar é perder tempo, ver o mar é perder tempo, assim como ver todas essas coisas pequenas e tentar transformá-las em grandes. Destruam tudo o que nos faz perder tempo, otimizar é nosso lema. Quem vai parar para olhar essa árvore? Destrua! E esses pássaros todos? Quem precisa disso para viver?
Enquanto isso, a nossa soberba vai crescendo, a nossa ganância vai crescendo, a nossa cidade vai crescendo — tumultuada, descontrolada, mas vai — só que a gente não cresce. Paramos no tempo. Aonde vou, só vejo bebês emocionais. Aí quando consigo encontrar uma criança no meu caminho, não tem jeito, eu preciso parar, ir até ela, pedir pelo amor de Deus alguns conselhos, porque criança, no fundo, é grande, a gente sabe disso. Não é a toa que no Melhor Lugar há um cantinho reservado só para elas.

Jéssica Alves

quinta-feira, 6 de novembro de 2014



Sempre quis ao meu lado alguém que conseguisse criar laços, que não se limitasse a um enfeite. Alguém que pudesse se entrelaçar até que os de fora vissem um só, com o colorido de dois.

Jéssica Alves

Por muito tempo levei comida até a boca dos meus medos. Foram anos aninhada com as asas sobre eles. Era só a tempestade apontar no caminho, que eu corria, juntava cada um bem pertinho de mim e ficava ali, encolhida, esperando o vendaval passar. Vinha a calmaria e eu permanecia ali, aninhada, no mesmo galho, na mesma árvore. Meus medos eram tão famintos que não sobrava muito para mim, fui definhando. Dava pequenos voos e logo voltava, não podia deixá-los. As tempestades começaram a ser mais constantes e intensas, vinham com toda aquela força destruidora e arrastavam consigo um dos meus filhotes, sem que eu quisesse. Meu ninho foi esvaziando e, para o meu estranhamento, eu saía de cada tempestade mais forte. Comecei a me sentir nutrida, a ter mais fome de viver, dei voos mais distantes, desaninhei. Conheci muitos jardins, aprendi a cantarolar até na chuva. Às vezes me pego pensando que se eu me engaiolasse talvez tudo seria mais fácil, mas logo eu me lembro que sou imensidão, mal caibo nos limites do meu corpo, não caberei entre ferros.

Jéssica Alves

Me firmo numa rocha de coisas leves e a cada dia preciso soltar novas amarras. Amarras que me impuseram, amarras que eu mesma fiz. O que me faz feliz é leve, não precisa de códigos, senhas e fórmulas. Está disponível para quem quiser, para quem não tem medo de flutuar, para quem sente pavor em se fincar e, ali, ir se enterrando por causa do peso que carrega.

Jéssica Alves


O meu amor me beijou com afeto:
Plantou carinho

Flori ternura
Colheu amor

Jéssica Alves


Vivo a vida
Amplamente
Razão no peito
Coração à frente!

Jéssica Alves


Seu sorriso 
Inundou 
Minha mente 
Escorreu amor 
Esparr(amei-o) 
entre a gente


Jéssica Alves

quarta-feira, 5 de novembro de 2014


Cada estrela parece uma eternidade. Quando eu era criança gostava de seguir o brilho das estrelas. E minha mãe quando era criança já seguia o brilho delas, soube que minha avó também seguia esses brilhos. A estrela que brilha já deixou de existir há anos. Um brilho morto, sem vida. As estrelas mortas estão lá porque alguém precisa delas, porque alguém decidiu que, depois de mortas, brilhariam lá em cima e decidiu que, se quisermos, poderemos ser como as estrelas.

Jéssica Alves


O olhar parado, em qualquer lugar, pra deixar de ver o de fora e só olhar o de dentro e se espantar ao escutar a Voz que vive em mim e que me diz o certo e o errado, mesmo sem palavras.

Jéssica Alves













Feliz, sempre dizia:
- Pai, obrigada, amo o sol que criaste
Depois que te conheci, felicidade em dobro:
- Pai, obrigada, há um sol fora e outro dentro de mim

Jéssica Alves

segunda-feira, 27 de outubro de 2014


Novo slogan político
Alguém escreveu num muro branco da Universidade do Porto, em Portugal, a sua exigência política: “Queremos mentiras novas!”. Quem o escreveu sabia das coisas. Sabia que seria inútil pedir o impossível: “Basta de mentiras!”. Na política, apenas as mentiras são possíveis. Mas ele já estava cansado das mentiras velhas, batidas, como piadas cujo fim já se conhece, que diariamente aparecem nos jornais. Mentiras velhas são um desrespeito à inteligência daqueles a quem são dirigidas. Que mintam, mas que respeitem a minha inteligência! Mintam usando a imaginação! Por isso escrevia, em nome da inteligência, do possível e do humor: “Queremos mentiras novas!”.

Rubem Alves

sexta-feira, 15 de agosto de 2014


Há criaturas que chegam aos cinquenta anos sem nunca passar dos quinze, tão símplices, tão cegas, tão verdes as compõe a natureza; para essas o crepúsculo é o prolongamento da aurora. Outras não; amadurecem na sazão das flores; vêm ao mundo com a ruga da reflexão no espírito, embora, sem prejuízo do sentimento, que nelas vive e influi, mas não domina. Nestas o coração nasce enfreado; trota largo, vai a passo ou galopa, como coração que é, mas não dispara nunca, não se perde nem perde o cavaleiro. 

A mão e a luva, Machado de Assis
Saiba, pois, que sou muito senhora da minha vontade, mas pouco amiga de a exprimir; quero que me adivinhem e obedeçam; sou também um pouco altiva, às vezes caprichosa, e por cima de tudo isto tenho um coração exigente. Veja se é possível encontrar tanto defeito junto. 

A mão e a luva, Machado de Assis.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014


Pobre de quem não entendeu 
que a beleza de amar é se dar 
e só querendo mentir, 
nunca soube o que é perder pra encontrar. 

João Gilberto

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Sete anos de pastor
Jacó servia a Labão
pai de Raquel,
serrana bela,
mas não servia ao pai,
servia a ela,
que a ela,
só por prêmio, pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
vivia contentando-se em vê-la,
porém o pai usando de cautela,
em lugar de Raquel,
lhe deu a Lia.
Vendo o triste pastor que por enganos
lhe fora negada assim sua pastora,
como se a não tivera merecido,
tornando já a servir outros sete anos,
dizia:
–Mais servira,
se não fora para tão longo amor,
tão curta a vida.

Luís Vaz de Camões

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse você". A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção.

O amor que acende a lua, Rubem Alves.

sexta-feira, 18 de julho de 2014


Onde se encontram as fontes da alegria? Alguns acham que elas se encontram nas experiências infantis, que somos alegres ou tristes por causa das coisas que outros nos fizeram, quando éramos crianças. Eu não acredito nisso não. Acho que as fontes da alegria não se encontram no tempo. Acho que as fontes da alegria não são administradas pelo pai ou pela mãe. Minha suspeita é que elas se encontram na eternidade. A alegria é sempre inexplicável. Tem um profeta do Velho Testamento, Habacuque, que escreveu uma das orações mais lindas que conheço, e ela é linda por causa de uma única palavra: todavia. Ele começa a oração descrevendo campos devastados, árvores frutíferas sem frutos, currais sem vacas ou ovelhas. De repente ele interrompe o rol de desgraças e diz: "Todavia eu me alegrarei..." Não há razões para a alegria. Ela é uma fonte da eternidade que emerge no tempo.

Rubem Alves

Oh! Minas Gerais...

















Minas não tem mar.
Lá, quem quiser navegar tem de aprender 
que o mar de Minas é em outro lugar.
O mar de Minas não é no mar.
O mar de Minas é no céu,
pro mundo olhar pra cima e navegar
sem nunca ter um porto onde chegar.
Acho que é por isso que em Minas nasce tanto poeta. 
Poeta é quem navega nos céus.

Rubem Alves

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Instantes

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido,
na verdade bem poucas coisas levaria a serio.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvete e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu
sensata e produtivamente cada minuto da sua vida.
Claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver,
trataria de ter só bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida,
só de momentos,
não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma
sem um termômetro, uma bolsa de água quente,
um guarda chuva e um pára-quedas.
Se voltasse a viver viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim de outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres,
brincaria mais com as crianças,
se eu tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.

Autoria discutível. Poema atribuído ora a Jorge Luís Borges, ora a Nadine Stair.
 
A menina e o pássaro encantado 
Rubem Alves 

Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo. Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado. 
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão… 
— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti… E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro. 
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça. 
— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes. E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre. Mas chegava a hora da tristeza. 
— Tenho de ir — dizia. 
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…
— E a menina fazia beicinho… 
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar. 
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…” 
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz. Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro… 
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora… 
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar. 
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo… 
Até que não aguentou mais. 
Abriu a porta da gaiola. 
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres… 
— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar… 
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia. 
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo… E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra. 
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje… 
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. 
Ah! Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama… 
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….” 
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro. 

* * * 

Para o adulto que for ler esta história para uma criança: 
Esta é uma história sobre a separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus… 
Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade. Tudo se enche com a presença de uma ausência. 
Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas… 
Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre… Para que não haja mais partidas… 
Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços. Esta história, eu não a inventei. 
Fiquei triste, vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida… E a história simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta. 
Para quê uma história? Quem não compreende pensa que é para divertir. Mas não é isso. 
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano. Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. Com isto, angústias e medos ficam mais mansos. 
Claro que são para crianças. 
Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão… 

As mais belas histórias de Rubem Alves 
Lisboa, Edições Asa, 2003


Os pais exigem-lhe o máximo, não porque a casa seja pobre, mas porque o primeiro mandamento da educação feminina é: trabalharás dia e noite. Se não trabalhar sempre, se não ocupar todos os minutos, quem sabe de que será capaz a mulher? Quem pode vigiar sonhos de moça? Eles são confusos e perigosos. Portanto, é impedir que se formem. A total ocupação varre o espírito.

Carlos Drummond de Andrade


Envelhecer é isto mesmo, a gente vai se mineralizando, chegou a dizer o que - no pensamento dele - é de uma lógica brutal, que a osteoporose é sinal de progressiva espiritualização. Pior é que concordo: "Tu és pó e em pó te tornarás", somos cinzas, caminhamos no inverso sentido de uma fênix.

Adélia Prado

quarta-feira, 9 de julho de 2014

"A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão..."

Chico Buarque

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Sentira medo desde o primeiro dia, desde a primeira hora - um medo que lhe vinha de baixo, das tripas, e lhe subia pelo estômago até a goela, como uma geada, amolecendo-lhe as pernas, os braços, a vontade. Medo é doença; medo é febre.

Érico Veríssimo 

segunda-feira, 16 de junho de 2014



Canto do noivo

Eu verei tuas formas crescerem pouco a pouco
verei tuas formas mudarem a cor, o peso, o ritmo,
teus seios se dilatarem na noite quente,
os olhos se transformarem quando brotar a idéia do primeiro filho.

Assistirei ao desenvolver das tuas idades,
guardando todos os teus movimentos.
Já está na minha memória a menina mãe de bonecas,
depois a que ficava de tarde na janela, e a que se alterou quando me conheceu,
e a que está perto da união das almas e dos corpos.
As outras virão. Tuas ancas hão de se alargar,
e os seios caídos, o olhar apagado, os cabelos sem brilho
hão de te arrastar pra mais perto do sentido do amor,
ó minha mártir, forma que eu destruí, integrada em mim.

Murilo Mendes
Mas onde já se ouviu falar num amor à distância,
Num teleamor ?!
Num amor de longe…
Eu sonho é um amor pertinho…
E depois
Esse calor humano é uma coisa que todos - até os executivos têm
É algo que acaba se perdendo no ar
No vento
No frio que agora faz…
Escuta!
O que eu quero
O que eu amo
O que eu desejo em ti
É teu calor animal…

Mário Quintana

quinta-feira, 12 de junho de 2014

O sonho encheu a noite
Extravasou pro meu dia
Encheu minha vida
E é dele que eu vou viver
Porque sonho não morre.

 Adélia Prado
Tô morando, trabalhando, estudando e amando. Esses são os quatro foles da minha vida, no momento, e sobre cada um deles eu teria milhares de páginas a preencher. Sei lá, menina, tá tudo tão legal — e um legal tão batalhado, um legal merecido, de costas e pernas doendo, mas coração tranquilo.

Caio F. Abreu

quinta-feira, 6 de março de 2014

o sonho do outro é um
brinquedo que deve ser
preservado, pois se sabe que,
se é sonho, é coisa delicada,
do coração.

 Rubem Alves

Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.


Para além da curva da estrada
Alberto Caeiro


A vida é as vacas que você põe no rio, para atrair as piranhas, enquanto a boiada passa.


Leminski


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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Deixa-me ser o que sou, 
o que sempre fui, 
um rio que vai fluindo. 
E o meu destino é seguir…
seguir para o mar. 
O mar onde tudo recomeça… 
Onde tudo se refaz…

Mário Quintana

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Adélia Prado















Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.

Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.

Alberto Caeiro

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos, [...]
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Alberto Caeiro, "O Pastor Amoroso"
Heterônimo de Fernando Pessoa